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20/04/15

Pelo pai: Ao telefone

Por Rebecca LeyThe Guardian

Tocou o telefone e era a minha irmã. "Pensei que gostasses de falar com ele", disse-me. "Cheguei depois do trabalho e..." Calou-se sem terminar a frase. Ouviu-se um murmuro ao longe, um barulho de fundo abafado. "Papá!", ouvi-a chamar. "Papá, chega aqui. Não, aí não. Aqui! Está a Bec no telefone."

Esperei enquanto o imaginava a andar às voltas pelo dormitório da sua residência. E, segundo o que tinha entendido, estava demasiado mal para poder responder a uma chamada. 

"Olá, sinto muito...", disse a minha irmã de volta. "Estava a tentar ir-se embora, mas agora já está aqui."

"Passa-lhe o telefone", pedi. Havia já muito tempo que não falava com o meu pai ao telefone. Antes de adoecer, costumava ligar-me frequentemente para dizer como ia a vida, como crescia a sua horta, quantos barcos podia ver através dos seus binóculos, a sua última rixa com um vizinho... Mesmo depois de ter sido de lhe ter sido diagnosticada a doença de Alzheimer e quando ainda vivia na sua casa, falávamos regularmente. Já não conseguia marcar os números, mas a pessoa que cuidava dele fazia-o e então passava-mo. Eu perguntava-lhe se tinha comido torta ao almoço, como estava o tempo ou o que tinha feito nesse dia.

À medida que a doença avançava, as suas respostas tornavam-se cada vez mais confusas. "Oh, tu sabes, essa coisa...", dizia ele. "Essa coisa, seja lá como for que se chama..."

Porém desde que entrou na residência, até estas conversas fragmentadas terminaram. Quando lhe ligava, os funcionários diziam-me amavelmente que era incapaz de manter uma conversa.

"Olá, papá!", disse. Ele não respondeu, mas conseguia ouvir a sua respiração forte e, em seguida, a garganta a aclarar-se dessa forma tão familiar que conhecia. É como se estivesse a vê-lo a olhar para a minha à espera de receber indicações. Confiante. Lutador.

"Diz olá.", disse-lhe a minha irmã pacientemente.

"Olá", repetiu o meu pai. "Olá?" Soava como se estivesse a dizer a palavra pela primeira vez.

"Olá, papá!", respondi. "Como estás?"

"Desculpa!", disse a minha irmã assumindo novamente o controle. "Como estava a perguntar por ti, pensei que talvez pudesse funcionar..." Notava-se que estava afetada...

Nesse momento, em segundo plano, reparei que o meu pai dizia algo. 

"Wekker-weks, Wekker-weks." Estava a chamar-me pela alcunha que me tinha dado quando era criança, como se me tivesse escondido debaixo da cama ou no armário.

"Passa-mo outra vez.", pedi à minha irmã. Deu-me um aperto no coração, estava a perguntar por mim. Não sabia que ainda conseguia fazê-lo!

A minha irmã obedeceu. "Papá!", disse-lhe de novo tentando transmitir através da voz toda a minha emoção. "Sou eu, Weeker-weeks!" Esperava que ao repetir a minha alcunha, se estabelecesse uma ligação no seu cérebro esclerótico. "Weeker-weks?" Agora, o papá soava mais vacilante. 

"Como estás? Que fazes?", perguntei-lhe.

Houve uma longa pausa.

"Estou a beber cerveja!", disse por fim. E, de seguida, desatou a rir-se.

"A sério?", perguntei-lhe. "Isso é fantástico, papá!"

"Já verás!", disse. "Há que continuar assim... Pôr um pouco de ordem naquilo."

"Oh, claro...", disse, entristecendo-me de novo.

"Assim está bem. Por aí... Há que cortar essas sebes."

Ouvi um barulho como se tivesse largado o telefone. Consegui escutá-lo a afastar-se arrastando os pés nas sapatilhas que agora calça todos os dias e que golpeavam o linóleo. Disse mais qualquer coisa, mas não consegui entendê-lo. "Sinto muito!", voltou a dizer a minha irmã. "Pensei que pudesse resultar."

"Não sintas!", respondi-lhe. "Foi uma ideia estupenda."

A nossa deceção mútua podia sentir-se através da linha. Era mais uma opção a eliminar da lista. Desligámos e continuei a escutar aquela voz a chamar-me novamente pelo meu apelido de criança. Ele era o único que me chamava assim. Parece pouco provável que volte a repetir-se.

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