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15/06/15

Pelo pai: encarando o dia a dia

Rebecca Ley, The Guardian

Quando cheguei, estavam a dar o pequeno-almoço ao meu pai no seu quarto. A cuidadora dava-lhe ovos mexidos e, sobre a mesa em frente, estava um chá com leite num copo de plástico. "Agora continuo eu", disse à senhora que o ajudava.

– O.K., obrigada – respondeu antes de sair.

– Olá, papá! – saudei-o, inclinando-me para lhe dar um beijo na bochecha. Com um grande babete que lhe tinham atado ao pescoço, encostou-se deixando as mãos inertes sobre o seu colo. No entanto, momentaneamente, vislumbrei nos seus olhos um certo reconhecimento.

– O que fazes? – perguntou-me.

– Nada, vou apenas ajudar-te a tomares o pequeno-almoço – respondi, apoiando-me na sua cama e agarrando na colher. 

Esta era a primeira vez que ia à residência sozinha e sentia-me insegura sem nenhuma das minhas irmãs ao meu lado. Pensei que a melhor estratégia seria agir como se o fizesse todos os dias, como se dar de comer ao meu pai fosse uma simples tarefa quotidiana.

A torrada estava cortada em fatias manejáveis e os ovos estavam demasiado cozinhados para o seu gosto.

– Aqui tens – disse-lhe, aproximando a colher com mais um pedaço. Abriu a boca, condescendente como um passarinho. Parecia que não queria estabelecer contacto visual comigo, mas mastigava e engolia enquanto desviava o olhar para a janela, evitando-me.

Segui o seu olhar. Lá fora estava uma manhã de sol com muito vento, mas a partir do quarto não era possível sentir isso. Na parede, e colocada por forma a não poder ser arrancada durante a noite, a televisão de ecrã plano continuava ligada. Passava um desses programas de vendas. 

– Estás bem? – perguntei-lhe. Ignorou-me.

– Onde está a Lizzie? – disse, finalmente, erguendo-se na cama.

Não sabia o que responder. Lizzie era a sua mãe, mas morrera há mais de 20 anos.

– Não está aqui, Papá – respondi-lhe –, não sei onde está.

Ficou satisfeito com a minha resposta, como se lhe tivesse dito que acabara de sair para comprar leite, e voltou a recostar-se no seu lugar. Peguei noutra colher que, desta vez, estava demasiado cheia. A comida caiu-lhe da boca deixando migalhas no seu babete.

– Ups, sou demasiado boa a fazer isto! – exclamei. – Desculpa!

Sorriu-me com gentileza, como se amavelmente estivesse a tolerar as terríveis maneiras de um estranho à mesa. Depois, educadamente, comeu um um pedaço da sua torrada.

Mastigava, mastigava e, de repente, apoderou-se de mim a mesma sensação de ansiedade que tenho com a minha filha pequena. "O que é que se passa agora?"

– Bebe um gole disto – disse-lhe, aproximando o chá morno da boca. Sorveu um gole e engoliu. Eu afastei o pano.

– Estava bom papá? Gostaste do pequeno-almoço? – perguntei.

– Nem por isso – respondeu, arrastando as palavras como era seu hábito. Em seguida, fitou-me e sorriu. Este gesto inesperado surpreendeu-me e agarrei-lhe na mão.

– Tens um rosto lindo! – disse-me.

– Obrigada, papá! – respondi. Ainda hoje preciso da sua aprovação.

– Quem é esse homem tão esquisito? – perguntou, fazendo referência à televisão pela primeira vez.

– É o apresentador, papá, não sei como se chama.

– Que homem tão estranho! E que gordo é!

– Como podes dizer isso, papá?! Não é nada gordo!

– Onde vives? – perguntou-me, mudando novamente de tema. – Em Londres?

Isto era o mais sensato que dizia em meses. – Sim, em Londres –, confirmei emocionada. – Vivo em Londres. Lembras-te de uma vez que vieste passar uns dias comigo e caiu um grande nevão? Lembro-me tão bem dessa visita... Foi exatamente quando começamos a desconfiar que se passava alguma coisa. Nevou tanto durante a primeira noite que a cidade amanheceu completamente coberta.

Os seus olhos, porém, mostravam que não se lembrava de nada. A memória desses dias tinha-se apagado por completo da sua mente...

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