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14/12/15

Pelo pai: alimentando as memórias

Rebecca Ley, The Guardian
 
A comida na residência do meu pai é, por definição, o exemplo de excelência da comida caseira. Assados aos domingos, tartes caseiras, biscoitos às quatro da tarde... O tipo de coisas que gostaríamos de comer se tivessemos a sua doença — reconfortantes, reconhecíveis e seguras.
 
Sei que há muita coisa escrita sobre a importância da nutrição nos doentes com demência e das gorduras saudáveis em particular para o cérebro. Francamente, acho que vai muito além disso. Se não se pode disfrutar do açúcar e da manteiga na sua situação, pouco mais sobra. Nem todo o óleo de linhaça do mundo provocaria agora mudança alguma nele. 
 
A comida de Cornualles mais não pode ser definida do que como pesada. Chá com massas, bolos de açafrão, empadas... É uma espécie de passeio da fama das gorduras saturadas. E isso sem mencionar os ocasionais petiscos que o meu pai fazia de vez em quando, uma combinação extravagante de melaço e chantilly em pão escuro de que ninguém, para lá de Plymouth, parece ter ouvido falar. 
 
Também deixava transparecer as suas raízes quanto à alimentação de outras formas. Por exemplo, gostava de tomar chá na mesa dezoito e fazia sempre uma pausa no trabalho para comer qualquer coisa a meio da manhã.
 
Além disso, era inflexível quanto aos seus panados, argumentando que deviam servir-se sempre com chá doce, o único momento em que tomava o chá açucarado.
 
Sempre que saíamos em passeio, apontava para cogumelos cuja raiz é comestível. "Isto é a coisa mais deliciosa do mundo", dizia. "Costumávamos comê-los na aldeia." No entanto, nunca acabámos por ir colhê-los e prová-los, algo que também era muito típico no meu pai. Para ele, muitas coisas era mais doces na sua cabeça do que na realidade o eram. 
 
Dito tudo isto, a comida que mais me faz lembrá-lo era aquela que ele próprio preparava nas noites de verão depois de ter estado a trabalhar todo o dia no seu barco, construíndo uma parede ou revolvendo o jardim. 
 
Na sua essência, era a dieta de um camponês: tomates e pepinos de colheita própria, beterraba em vinagre, queijo cheddar e pão, tudo bem temperado com pimenta. Adorava pimenta! Comia cuidadosamente, um pouco de cada coisa em cada bocado. Recordo-me de nos ensinar para fazermos da mesma forma. "Experimenta com um pouco disto, com mais um pouco daquilo e do outro. É assim que se deve comer."
 
Era mais um trabalho de encaixe do que uma destreza culinária e ilustrava na perfeição a sua conceção da cozinha. Como muitos homens da sua idade, nunca dedicou muito tempo à cozinha, apesar da comida ser tão evocadora... As suas coisas favoritas fazem-me sempre recordá-lo. Os merengues, por exemplos, sempre os considerou o melhor dos presentes e, durante anos, não pude passar ao lado deles no supermercado sem que o meu pai não me viesse de imediato à cabeça. Por isso, pouco depois de entrar na residência, levei-lhe um saco com estes doces que comprei numa loja caríssima, pensando que seria uma excelente surpresa e um ponto de ligação. "Olha, papá, são os teus favoritos!", disse-lhe, mostrando os merengues. 
 
Ele olhou-me sem compreender, mas agarrou no saco e comeu-os todos de uma vez, três bem grandes. E apesar de ser realmente cuidadoso, uma tempestade de neve de açúcar branco caiu em partes iguais sobre a sua camisola e a toalha de plástico. Mais pior do que sujar-se era o facto de parecer não estar a saborear os merengues ou, inclusivamente, a reconhecê-los.
 
"Gostaste, papá?", perguntei-lhe enquanto terminava o último.
 
"De quê?", respondeu-me.
 
"Dos merengues! Gostaste?"
 
"Hum! Hum!", assentiu com a barba coberta de açúcar.
 
E eu levantei-me, fazendo ranger o açúcar debaixo dos meus pés, e comecei a sacudir o pó fino dos merengues. 

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