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19/09/14

Alzheimer: conselhos de uma filha

Esta é uma publicação especial da autora e advogada Anna Napoletan com algumas palavras de sabedoria para cuidadores de pessoas com Alzheimer.

Lembra-se daquele momento em que, de repente, sentiu que era adulto? Foi talvez no dia do seu casamento, no nascimento do seu primeiro filho, no seu primeiro trabalho em que encarou como «isto é uma carreira e não apenas um emprego». Para mim, acho que o momento chegou verdadeiramente quando me apercebi de que os problemas de memória da minha mãe era muito maiores do que o normal em mulheres na casa dos seus 60 anos.

A inversão de papéis

Eu tinha conhecimento há algum tempo de que as coisas não estavam bem, mas disse a mim mesma que ela estava apenas a ficar velha e que era de se esperar. Quando isso já não parecia plausível, acreditei que era por ter passado de uma carreira ocupada que a mantinha socialmente ativa para uma vida mais solitária, sem nenhum verdadeiro hobby ou sem atividades que mantivessem a mente ativa. Durante algum tempo, cheguei a culpá-la por «não se esforçar o suficiente».

Mas, na realidade, ela tinha Alzheimer. Pensava que era algo que não iria acontecer a pessoas como a minha mãe. Ela era extrovertida, inteligente, espirituosa e muito independente. Teve uma carreira de sucesso com mais de 30 anos numa companhia de serviços financeiros listada na Fortune 500 e trabalhou por todos os Estados Unidos formando jovens seguradores. Ela era uma amiga, uma mentora e um modelo para inúmeros jovens. E era jovem. O Alzheimer só aparece em idosos, ou assim pensava eu.

Olhando para trás, houve muitas coisas com as quais podia ter lidado de forma diferente. Entrei nesta jornada sem saber o que esperar, que recursos estavam disponíveis ou como lidar com uma mulher que foi o meu exemplo durante 40 anos e que agora se tornava minha filha. A vida tornou-se numa série de reações a acontecimentos que eu não conseguia controlar.

Gostaria de partilhar convosco algumas coisas que retirei da minha experiência. A minha esperança é a de que as famílias que estão nesta viagem encontrem utilidade em algumas destas dicas.

Encara a situação de frente

Confia no teu instinto. Se suspeitas de que aquilo que vês num ente querido é mais do que o processo normal de envelhecimento ou esquecimento, é porque provavelmente há razões para te preocupares. Recorram a um médico atempadamente. Estes sintomas podem ser causados por várias doenças e algumas são reversíveis. Por exemplo, a deficiência de vitamina B, os problemas de tiróide, a desidratação ou a infeção do trato urinário podem causar confusão, agitação e outras alterações comportamentais.

Se o seu ente querido recusar ser visto por um médico, como acontece frequentemente, faça o que for preciso para o levar. Diga-lhes que está preocupado e peça-lhes que vão à consulta para que possa ficar mais descansado ou então aja como se fosse um checkup regular, mas fale com o médico previamente e explique-lhe as suas preocupações.

Esperámos mais do tempo do que devíamos mas, a partir do momento em que marquei a consulta, decidi trocar emails com a médica antes. Quando chegámos, ela estava preparada sem que eu tivesse de explicar as minhas observações à frente da minha mãe.

Testamento em vida

Felizmente, a minha mãe tinha preparado o seu testamento muito antes de ficar doente. Falamos sobre os seus desejos e ficou tudo documentado num testamento em vida. Na altura, não tinha noção do dádiva que era esta decisão.

Por mais difíceis que sejam estas conversas, são muito importantes. Enquanto o seu familiar ainda está capaz, certifique-se de que os documentos necessários estão no lugar.  No mínimo, vai precisar de uma procuração durável para cuidados de saúde e para questões financeiras e um testamento em vida.

Ter os desejos da minha mãe escritos foi uma benção. Não há nada mais doloroso do que sentar-se ao lado do seu ente querido nos últimos dias da sua vida. Apesar de saber que ela não queria alimentação ou hidratação artificial, quando esse dia chegou senti-me agradecida por tudo estar documentado. Mesmo com esse pedaço de papel, estava agonizada. Não consigo imaginar-me a tomar essa decisão.

Cuidados de longa duração

«Não deixes para amanhã o que podes fazer hoje.»

É uma máxima inteligente, mas é mais fácil de dizer do que fazer. As tarefas desagradáveis tendem a ficar para último na lista de coisas a fazer até que, eventualmente, o tempo se acaba. Evitei pensar e planear cuidados de longa duração até ser forçada a tal. Estávamos determinados a fazer o que fosse necessário para manter a minha mãe independente e, muito simplesmente, isso era irrealístico.

Durante um breve internamento no hospital, foi avaliada por fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais e o dia tinha chegado. Ela não podia ir para casa. Já não estava segura lá e os terapeutas e o assistente social recomendaram levá-la imediatamente para uma instituição ao invés de deixá-la ir a casa primeiro. Concordei pois se a levasse para casa, seria ser mais difícil sair novamente.

Como filha única, as decisões, bem como os aspetos práticos e logísticos, caíram diretamente nos meus ombros. Tinha uma semana para organizar tudo e fazer o que andava a evitar há meses. Foi uma semana infernal – não sabia nada sobre cuidados a longo prazo pois tinha andado a dizer a minha própria que « pesquisaria sobre isso outro dia».

Siga o meu conselho. Não cometa o mesmo erro. Planeie com antecedência e faça o seu trabalho de casa. Estas visitas vão ser extenuantes, por isso não se fie na memória. Em vez disso, prepare uma lista de questões com antecedência e guarde um espaço para tomar notas; leve consigo uma nova cópia para cada consulta.

Não esteja sozinho

Há dez anos atrás, falava-se muito pouco sobre Alzheimer ou outras formas de demência,  mas felizmente isso está a mudar. Apesar de o estigma ainda existir, estas doenças começam a sair lentamente da sombra das doenças cardíacas e cancerígenas. De facto, um estudo recente da Universidade de Rush sugere que o Alzheimer é a terceira causa de morte nos Estados Unidos.

O meu ponto é este: há ajuda lá fora, você não está sozinho. Quanto mais souber, melhor para si. E, talvez mais importante, não há nada mais reconfortante do que falar com alguém que já tenha percorrido o mesmo caminho.

Eis algumas sugestões por onde começar:

Alzheimer’s Association – comece pelo site onde encontrará uma grande variedade de informação e também o número de ajuda 24 horas por semana. O site possui salas de conversação para que seja mais fácil contatar com outros cuidadores.

As redes sociais oferecem uma alternativa ao encontro físico com grupos de apoio. Se não pode participar presencialmente em reuniões, pesquise um dos vários grupos de apoio existentes no Facebook. O USAAgainstAlzheimer’s Support Group, o Forget Me Not e o Memory People são alguns dos exemplos.

Há um número incontável de livros e blogues, oferecendo muitos deles uma visão valiosa e em primeira mão.

O Eldercare Locator é uma boa ferramenta para localizar vários serviços na sua área.

Procure conselhos de um gestor financeiro e de um advogado especialista em cuidados de idosos. Lembre-se que quanto mais cedo tiver estas conversas melhor.

Quando os seus amigos lhe oferecerem ajuda, aceite-a. Se puder contratar alguns serviços para ter mais tempo livre, como um jardineiro, faça-o. [...]

Conclusão: não tenha medo de pedir ajuda. Há pessoas lá fora que lidam diariamente com situações como a sua. Se eu soubesse o que sei hoje, teria procurado muito mais aconselhamento do o que tive.

Biografia

Ann Napoletan é escritora, blogger e uma defensora apaixonada da consciencialização e pesquisa sobre a demência. Por ter tomado conta da sua mãe na batalha contra o Alzheimer durante uma década, reserva um lugar especial no seu coração para cuidadores familiares. Ao partilhar a sua história, espera conseguir ajudar outras pessoas a orientarem-se nesse caminho escuro e, muitas vezes, solitário.

O blogue de Ann, The Long and Winding Road: A Journey Through Alzheimer’s and Beyond, foi nomeado, em 2013, como um dos cinco melhores blogues sobre Alzheimer pelo Alzheimer.net e finalista, em 2014, dos Best Senior Living Awards. O seu site tem utilizadores de todo o mundo e oferece conselhos práticos, recursos e apoio com um toque pessoal resultante da sua própria experiência com a doença de Alzheimer.

Pode entrar em contacto com Ann através do Facebook ou do Twitter.

Fonte do testemunho e da imagem.

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