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02/03/15

Pelo pai: o poder de um papel

Lançamos, hoje, uma nova série que acompanha os desafios diários de uma filha e da sua relação com o pai recentemente diagnosticado com Alzheimer. Como pode um filho encarar esta doença? Que desafios enfrenta? Como afeta o seu dia a dia, a relação com a família, a sua situação económica, pessoal e psicológica? "Pelo pai" é uma série que resulta de uma parceria estabelecida com Rebecca Ley, do reconhecido jornal The Guardian, para a divulgação dos seus testemunhos no Centro Virtual. Histórias reais e empáticas com as quais os nossos utilizadores, atravessando a mesma situação, irão certamente identificar-se. O artigo de hoje aborda a gestão financeira dos bens de um paciente com Alzheimer. Os próximos capítulos serão publicados quinzenalmente. Esperamos que a série vos agrade e aguardamos os vossos comentários!

Artigo por Rebecca Ley, The Guardian.

Não parece muito este pequeno documento que tem tanta influência na minha vida. Vinte e cinco páginas A4 mal agrafadas, com manchas escuras da fotocopiadora e a marca de uma caneca na capa. No entanto, guardo-as com o maior cuidado porque são a cópia do poder notarial pelo qual o meu pai me autoriza a gerir as suas finanças.

Neste momento, está numa sala fechada de uma residência para pacientes com demência em Cornwall, sem esperança alguma de viver de forma independente, e por isso este documento é tão importante. Alguém tem que gerir a sua conta bancária e as suas propriedades, bem como encarregar-se dos seus impostos. Esse alguém sou eu e estas folhas de papel são a prova de que tenho legitimidade para tal, de que estou a fazer o que o meu pai quereria que eu fizesse.

Quando se divorciou da minha mãe, colocou-se a hipótese de eu e a minha irmã sermos as suas representantes legais e, na altura, não entendi o que isso significava. Estava numa etapa da vida onde não contemplávamos as hipóteses de doença, de incapacidade ou de morte. Eu estava demasiado ocupada com os mexericos do trabalho, com o que tinha feito no fim de semana e com os planos do meu casamento. Parecia impossível que o meu pai, outrora um homem poderoso e independente, viesse a ser, alguma vez, incapaz de tomar decisões.

Foi envelhecendo e, às vezes, parecia distraído de uma forma preocupante. Porém, esperávamos que fosse apenas um efeito normal de ter entrado nos seus 80 anos. Além disso, o médico dizia que ele estava bem.

Como tal, eu e a minha irmã Ellie assinámos o documento sem pensar muito, num escritório de advogados de Penzance e na presença de um advogado de confiança do nosso pai. Ruth, a nossa irmã mais nova, estava a viajar de mochila às costas pela Austrália e por isso não foi incluída, mas foi um fator ao qual não demos importância pois estávamos seguras de que nunca teríamos de utilizar esse documento. Depois disso, não voltei a pensar no assunto. Regressei à minha vida em Londres, preocupando-me se deveria levar um véu curto ou comprido e sem olhar para trás.

Se soubesse o quão rápido o meu pai seria diagnosticado com provável demência vascular, teria levado o assunto mais a sério. Tinham passado pouco mais de seis meses quando se confirmou a incapacidade do meu pai e quando o documento foi registado no organismo competente. A família decidiu que deveria ser eu a assumir a responsabilidade principal de gerir os seus assuntos. Estava passada a batuta...

Passaram pouco mais de três anos desde então e tudo mudou. Agora, a ideia de que alguma vez tenha sido responsável pelas suas finanças – feito do qual se orgulhava – é algo que parece incrível. A sua deterioração foi tão rápida e tão absoluta...

Só posso agradecer ter organizado tudo quando estava encarregue. Estremeço só de pensar em que situação estaríamos agora se as coisas não tivessem sido bem organizadas. Inclusivamente, como sua representante legal, foi uma tarefa árdua conseguir que o seu banco, os seus provedores e as empresas em que tinha participações reconhecessem que tenho autoridade para agir em seu nome.

Naquele momento, gostaria de ter tido alguma ideia do que tal significava. Não sabia que existem dois tipos de poderes: um para os assuntos relacionados com as propriedades e os negócios, que é o que tenho, e outro para tudo o que está relacionado com a saúde e o bem-estar, conferindo ao responsável legal o direito de tomar decisões médicas. Nenhum de nós detém este último poder relativamente ao meu pai, embora neste caso não seja relevante pois a família sempre esteve de acordo quanto aos seus cuidados.

Não compreendia as consequências de assumir plena responsabilidade sobre as finanças de outra pessoa, alguém que havia vivido muito mais tempo e que testemunhara muito mais coisas do que eu. Por isso, incorporar tudo isto foi um processo de aprendizagem acelerado. Às vezes, sinto-me como se fosse numa bicicleta pela serra abaixo gritando: “olha, papá, sem mãos!”

Darmos conta de que já não são os nossos pais que mandam é desconcertante... Mas amadurecer não é isso mesmo?

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