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02/10/12

Conferência sobre demências põe o dedo na ferida

Conferência "Demências em Portugal: como reconhecer e o que fazer?"

VÍTOR TOMÉ e LÍGIA BARATA

Dia 14 de Junho de 2012

O Serviço de Neurologia não pode acabar no Amato Lusitano e o país precisa de criar condições, até legais, para tratar melhor os idosos e os portadores de demência, cujo número cresce de ano para ano. Mas há trabalho no terreno, como é o exemplo da ASPSI, em Castelo Branco. 

O distrito de Castelo Branco é um dos que tem a população mais envelhecida, o que permite antever um aumento do número de casos de demência. Como este tipo de doença exige, na maioria dos casos, tratamentos na área da neurologia, o serviço tem de ser mantido no Hospital Amato Lusitano e não acabar, como tem sido referido nos últimos dias.

A opinião é do médico Castel-Branco da Silveira e foi proferida na conferência "Demências em Portugal: como reconhecer e o que fazer?", realizada sábado, na Biblioteca Municipal de Castelo Branco e organizada pela Associação de Apoio e Estudo às Psicognosis na Raia Central (ASPSI).

Na mesma conferência, o neuropsicólogo Nuno Machado lançou o repto da constituição de uma base de apoio para organizar uma petição no sentido de ser criado o Estatuto do Idoso em Portugal. A ideia foi bem acolhida e a ASPSI deverá liderar o processo. O objetivo é que os direitos dos idosos sejam efectivamente respeitados no que diz respeito à qualidade de vida, nas suas diversas vertentes, um deles o acesso a cuidados de saúde, que se torna mais importante numa altura em que surge no horizonte "o monstro da desumanização dos cuidados de saúde em Portugal", na expressão de Castel-Branco da Silveira.

O problema é mais pungente entre as pessoas com demência, que se estima possa atingir 35 milhões de pessoas em todo o mundo, número que poderá duplicar a cada 20 anos. Embora os casos já surjam entre as pessoas mais jovens, as demências estão associadas à terceira idade, o que é preocupante, quando se sabe que, em 2032, se prevê que o número de pessoas com 65 ou mais anos duplicará o número de jovens com idade até aos 15 anos. 

O alerta é do director nacional do Programa de Saúde da Direção Geral de Saúde, Álvaro de Carvalho, que lamentou em Castelo Branco o facto de não existir um estudo epidemológico das demências em Portugal. As consultas têm aumentado, existindo cerca de 45 mil doentes em tratamento (tendo em conta o consumo de medicamentos), mas estima-se que existam cerca de 153 mil doentes no país. A estes junta-se o facto de cerca de 50% dos cuidadores dos doentes sofrerem problemas de depressão ou outros associados, bem como o facto de não existir uma sub-rede de cuidados continuados para pessoas com demência, que esteve prevista, mas não avançou, dados os constrangimentos financeiros do país. 

Tratar e estudar é bom mas não basta

De acordo com Álvaro de Carvalho vão avançar brevemente dois estudos que, embora parcelares, poderão ajudar no tratamento dos doentes com demência. Um da Universidade do Porto, financiado por privados, deverá identificar as necessidades do doente tipo com demência em Portugal. Outro, da Universidade Nova de Lisboa, candidato à Fundação para a Ciência e Tecnologia, pretende avaliar a eficácia da estimulação cognitiva em doentes com demência.

É a este nível que a ASPSI pretende também intervir, criando condições para que os portadores de demência possam ter uma vida o mais normal possível, junto dos seus cuidadores e/ou familiares. É no seu ambiente e com estimulação que poderá adiar ou limitar a  progressão da doença. O médico Dias de Carvalho defende mesmo que, além da estimulação em termos físicos, "os próprios jogos da Play Station são importantes para estimular a atividade mental".

Tal como é preciso crescer bem, importa "envelhecer bem", como explicou Nuno Machado. "Saber envelhecer é muito importante. Trata-se de um processo inevitável e irreversível", afirma, adiantando que "é preciso aproveitar o saber e a experiência das pessoas (para desenvolver com elas actividades de estimulação, por exemplo) e dar ao idoso a dignidade que ele merece". 

O Estatuto do Idoso será tão importante como o trabalho legal e efetivo que se desenvolveu em Portugal nos últimos 20 anos em relação à proteção das crianças. Toda a população, mas em especial os idosos e os portadores de demência, devem poder ter acesso a um modelo de cuidados de saúde centrado no doente e na família, que vise adiar o sofrimento e proporcionar qualidade de vida. "É preciso passar do modelo curativo ao modelo paliativo", referiu o médico Lourenço Marques. 

Um banco de memórias

Ao final da tarde de sábado foi apresentado em Castelo Branco o Centro Virtual sobre o Envelhecimento, integrado no projeto Espaço Transfronteiriço sobre o Envelhecimento, que a ASPSI integra, com parceiros portugueses e espanhóis. Até agora existente apenas em castelhano, aquele portal deverá ter a versão portuguesa no final de Julho. 

O portal destina-se a profissionais da área, estudantes, familiares e cuidadores, funcionando numa lógica de aprendizagem colaborativa. Estão disponíveis publicações, informação sobre recursos existentes no terreno (ex: associações, lares, centros de dia...), propostas de atividades de estimulação cognitiva e até notícias, num blogue atualizado diariamente.

A grande novidade é, porém, o Banco de Memórias. Este espaço online disponibiliza gavetas virtuais onde cada pessoa pode guardar memórias, em formato texto, fotografia ou até vídeo. Tem assim acesso às suas memórias, estando essas memórias também disponíveis a terceiros. Os interessados podem mesmo consultar as memórias disponíveis (cerca de 35 mil) e até apadrinharem essas memórias, através de uma contribuição simbólica. Gera-se assim uma efetiva partilha num ambiente de aprendizagem colaborativa.

Em breve avançará também uma área destinada ao Observatório do Envelhecimento, o banco multimédia de boas práticas, recortes de imprensa e informação sobre encontros. Ao participar neste projeto, a ASPSI considera estar "na vanguarda do reconhecimento do valor dos idosos e da necessidade de lhes conferir a dignidade que, muitas vezes, a demência parece querer roubar-lhes", como explicou o presidente da associação, João Silveira Carvalho. 

 

Notícia disponível apenas na versão impressa do jornal e aqui transcrita.

08/09/2014. 5:24 pm

Pedro Macedo escreveu:

Ex.mos Senhores,

"Banco de Memórias" é um conceito por mim criado em 2002 e do qual nos servimos no nosso trabalho clínico diário, muito distinto da vossa proposta. Este conceito visa o registo de todo o conhecimento que se vai adquirindo junto de um doente, não só de narrativas, mas daquilo a que denominei "Conhecimento relacional implícito" e que se estende a procedimentos íntimos de cada doente, que permitem compreende-lo e desenvolver a partir daí a intervenção terapêutica. Naturalmente que continuaremos a usar o nosso conceito e denominação que foi amplamente divulgado. Sugiro que sejam mais cuidadosos e se informem do trabalho já desenvolvido nesta área e até em Portugal.
Faço votos para que prossigam com sucesso o vosso caminho
Pedro Macedo

11/09/2014. 9:44 am

Cvirtual escreveu:

Caro Pedro Macedo,

obrigada pelo seu interesse no nosso projeto. O Banco de Memórias a que nos referimos neste artigo é um projeto ibérico que consiste num repositório online de memórias disponível neste endereço – http://bancoderecuerdos.cvirtual.org/. Em respeito pelo trabalho e investigação de todos os demais, entendemos que existem naturalmente outros projetos, trabalhos e conceitos com a mesma designação no grande universo dos países de língua portuguesa, merecendo cada um deles a máxima consideração da nossa parte. Desde já agradecemos também os seus votos de sucesso.

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