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30/03/15

Pelo pai: Um sonho frustrado

Por Rebecca LeyThe Guardian.

Na realidade, deveríamos vender o barco do papá. Está no condado de Corwall, rodeado de andaimes e, apesar de não ser costeiro, está tão perto do mar que se sente uma brisa salina. Agora, já não poderá levá-lo para a água. Para ele, será sempre um casco por acabar.

Pela lógica deveríamos vende-lo ao melhor comprador antes que se deteriore ainda mais e utilizar esse dinheiro para cobrir as suas novas necessidades. No entanto, é uma peça do puzzle que não consigo encarar. Desde as minhas primeiras memórias, sempre foi a sua porta para a liberdade, o protagonista dos seus sonhos mais felizes.

Comprou-o quando eu tinha 5 anos. Um veleiro de aço com cerca de 43 pés comprado num estaleiro de Barrow-in-Furnes e precariamente trasladado por um rebocador até West Penwith onde permanece 28 anos depois. 

O que comprou era apenas um casco. Motivado pelo facto de ser mais barato e pela confiança nas suas próprias habilidades, planeava fazer ele próprio os interiores. Sempre que tinha algum tempo livre, desaparecia para trabalhar no barco: nos sábados à tarde, nas tardes de verão, nos dias festivos... Este projeto foi o pano de fundo da minha infância, um ponto constante e reconfortante. Uma obra de amor inacabada. Por vezes, íamos visitá-lo e quando, vacilantes, subíamos os degraus trémulos, ficávamos assustados com a grandiosidade do barco.

Sempre que o meu pai estava a suar, cheio de serradura e rodeado de uma desordem de panos, latas de verniz, caixas de pregos e brocas, estava invariavelmente de bom humor e falava-nos dos planos que tinha: as bancadas de madeira para a minúscula cozinha, o pequeno lavabo que ficaria escondido debaixo das escadas...

Eu partilharia o quarto com a minha irmã na proa, duas camas separadas só por um par de pés, o suficientemente próximas para podermos partilhar todas essas confidências que nunca faríamos em casa.

"Quando estiver terminado, navegaremos por todo o mundo!", costumava dizer. "Vais ver, vais ver!" E eu dizia que sim, em êxtase só de imaginá-lo. Mares quentes onde nadar, peixes pescados por nós próprios para o jantar, o fascínio de ir cada vez a um novo destino...

Era a viajar que o meu pai mostrava o melhor de si. Livrava-se das suas preocupações como se fossem um casaco que deixa de ser necessário quando brilha o Sol. Era fácil ficar contagiado pelo seu entusiasmo. E, embora fosse apenas uma criança, uma parte de mim nunca conseguiu imaginarmos a navegar por mares tropicais. Como seria com a escola ou com os empregos do pai e da mãe? Esse dormitório à frente parecia um pouco pequeno, até talvez claustrofóbico. Seria realmente capaz de partilhá-lo durante várias semanas seguidas?

Acho que me custava a entende-lo. Para o meu pai, o seu barco significava liberdade, aventura, escapar às exigências da vida diária. Por isso, quando perdeu por completo o interesse pelo projeto do barco, tornou-se claro para nós, como família, que algo estava terrivelmente mal.

Deixou de falar em levar o barco para a água. Deixou de levantar a lona que o cobria para que respirasse. Perdeu o interesse pela pilha de revistas e de livros que barcos que sempre fizeram parte das suas leituras antes de ir para a cama e acabou por os deixar a acumular pó nos cantos da casa. Se a demência te rouba lentamente a pessoa que amas, para nós este era o seu cartão de visita. Porque quem era o nosso pai senão alguém que planeava mandar tudo para o alto e desaparecer no horizonte?

Agora, um par de anos depois dessa desconcertante falta de interesse, provavelmente nem sequer consegue recorda-se de que teve um barco. O correto seria colocar um anúncio para o vender, mas não sei por onde começar. Pelo eBay? Através de um agente de barcos? Nunca me preocupei com a logística para  transportar uma enorme peça de aço como esta. 

Ahora, un par de años después de esa desconcertante falta de interés, probablemente ni tan siquiera recuerda que alguna vez tuvo un barco. Lo cierto es que deberíamos poner un anuncio para venderlo pero no sé por dónde empezar – ¿eBay, un agente de barcos? Nunca me ha importado la logística para el transporte de una enorme pieza de acero como ésta.

Mas acho que não ficaremos com o barco por muito mais tempo. Ele é a prova de que determinado homem existiu um dia. Ainda que cheio de ferramentas, é a encarnação dos seus sonhos mais intensos, sentindo a brisa, embora sem navegar para lado nenhum.

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