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Pelo pai: um passeio imprescindível
Rebecca Ley, The Guardian
Uns dias antes do meu pai entrar para o lar, quando já todos sabíamos que tinha demência, mas ainda vivia na sua própria casa, saí de Londres para ir vistá-lo e fomos dar um passeio por Penzance para comprar alguma coisa para o almoço. caminhava um pouco inseguro, mas bem e um dos seus cuidadores tinha-o vestido de forma elegante com um dos seus vários casacos de inverno. Qualquer pessoa que o visse na rua, sem parar para falar com ele, jamais pensaria que sofre de demência.
Como se o soubesse, o meu pai ia saudando quase todas as pessoas com quem nos cruzávamos.
— Que tal, meu rapaz? — perguntou a um miúdo com rabo de cavalo e ar astuto que assentiu com a cabeça.
— Olá, minha senhora! — disse, saudando uma anciã que lhe respondeu com um leve sorriso.
Sentia-me tão envergonhada como se tivesse quinze anos. Não há nada como a rua principal da nossa terra natal para nos fazer reviver novamente todas essas inseguranças que ficaram lá atrás há muito tempo. Principalmente quando estamos a passear por elas na companhia de um pai com demência completamente imprevisível.
— É por aqui, pai — disse-lhe, pois estava a ir na direção contrária.
— O quê? —perguntou-me, sorrindo distraído.
— O Rowe é por aqui. — disse-lhe — Queres um bolo de lá, não queres? São os teus favoritos.
— Sim, sim! — respondeu-me, repetinamente ágil.
Começámos a subir por Causeway Head. Penzance, como de costume, estava repleta de pessoas mal-humoradas, mães adolescentes e jovens jogadores de rugby. Um mendigo, sentado no chão, fumava um cachimbo enquanto o seu cão descansava num pedaço de cartão próximo dele.
E foi então que, por fim, o meu pai decidiu chamar a atenção de alguém. Lançou uma das suas muitas saudações cuja finalidade era persuadir a outra pessoa a aproximar-se para conversar. Desta vez, era um homem da sua idade, com as bochechas coradas fruto das horas passadas no bar. O meu pai estava bastante emocionado e perguntou:
— Tudo bem, Stevie? Como estás?
— Oh, muito bem! — respondeu o homem, sorrindo. De perto, podiam ver-se as veias que saltavam das suas bochechas.
— E tu como estás, Peter?
— Estou ótimo! — respondeu o meu pai — Venho com uma das minhas filhas.
Apontou para mim, como se o homem não me conseguisse ver, mesmo ali ao lado.
— Olá! — disse-me Stevie. A sua expressão era subtilmente divertida e eu perguntava-me se realmente conheceria, ou não, o meu pai.
— Olá! — respondi-lhe, embora na realidade só pensasse em desaparecer dali, em ir buscar o meu bolo e em como não me apetecia nada ficar a conversar com aquele velho conhecido do meu pai.
— Veio de Londres, não é verdade? — disse o meu pai.
— Sim, cheguei ontem à noite de comboio — comentei. Era tudo o que estava disposta a dizer.
— É jornalista — informou o meu pai.
— Ah, que bom! — observou Stevie.
Eu assenti com a cabeça.
— É a editora do jornal The Times! — continuou o meu pai, cheio de orgulho — Nada menos do que editora do The Times!
Stevie abriu os olhos com surpresa e deixou escapar um assobio.
— Isso é fantástico! — comentou.
— Hum... Não... — respondi, corando — Trabalhei lá, mas não sou a editora.
— Ainda assim... — disse Steve, olhando-me nos olhos.
Nesse momento, percebi que, sem dúvida, ele conhecia o meu pai.
— Jornalista em Londres não é pouco! É fantástico.
— Obrigada... — respondi — Foi um prazer conhece-lo, mas agora temos de ir.
Agarrei o meu pai pelo braço e puxei-o para que viesse comigo, apesar de não mostrar muita vontade.
— Anda, vamos que temos de ir comprar o almoço... — implorei-lhe.
Esperei que Stevie estivesse a uma distância prudente para o repreender:
— Pai, não podes andar por aí a dizer isso às pessoas e deixas-me numa situação muito desconfortável.
Mas, pela sua parte, o meu pai adiantou-se e começou de novo a levantar a mão, saudando outra pessoa que estava no passeio em frente.
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