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06/04/15

Pelo pai: Um estilo próprio

Por Rebecca LeyThe Guardian.

Não diria que o meu pai era vaidoso antes de adoecer. A bem dizer, nunca se interessou pelas últimas tendências, mas gostava de roupa e tinha um certo estilo e, apesar de normalmente ser bastante forreta, podia gastar uma fortuna nas peças de que gostava. Os blusões eram o seu fraco, tinha uns vinte todos apertados no guarda-fatos do andar de cima. Não há como negar: tinha a mania dos casacos.

Para o resto da família, os blusões eram... bem, idênticos! Eram sempre azuis-marinho, normalmente um pouco acolchoadas e com algo toque náutico: forro às riscas, ilhós de metal, pormenores de nós de marinheiro...

Cada vez que nos mostrava um casaco novo, sempre depois de já o ter há vários meses, todos nos ríamos disfarçadamente dizendo: "A sério que é um casaco novo, papá?! É igualzinho aos outros!" Já era uma piada de família.

Mas havia um que tinha um lugar especial no seu coração e que era diferente dos restantes. Era "o casaco". Comprou-o quando eu tinha 18 anos numa carrinha de roupa enviada à cidade onde cresci, St. Buryan, pela Simpsons, uma pequena "loja" de Penzance. Tinha um padrão básico de tweed cor de carvão. Em 1953, devia parecer bastante glamoroso com novos ares de um mundo longe de campos lamacentos e da austeridade do pós-guerra. Acho que o guardou com tanto cuidado porque ainda lhe ficava tão bem quando começou a envelhecer. Como tantas outras coisas na sua vida, este casaco era um dos seus grandes orgulhos. 

Em sintonia com o seu estatuto de celebridade, o casaco só aparecia em determinadas ocasiões, sobretudo nos funerais de idosos em Cornwall, esses idosos que enrugados que pareciam estar sempre à espreita atrás dos bancos nos arredores de St. Buryan, encolhendo-se à medida que passávamos com o carro e enquanto o papá lhes gritava pela janela: "tudo bem por aí, chefes?" Quando faleciam, o meu pai vestia a sua melhor roupa para se despedir deles como deve ser.

Agora que está tão velho como eles, não tem muitos motivos para se arranjar. Na residência onde vive agora, tudo está centrado no conforto. Passa a maior parte do tempo com sapatilhas e roupa desportiva larga  calças de corrida, t-shirts e até cardigans. Sim, é prático, mas é o tipo de roupa que antes teria criticado. É estranho vê-lo assim vestido, com os seus tornozelos e pulsos finos a espreitarem por debaixo do poliéster e como se fosse o rufia mais frágil do bloco. 

De facto, não vai tornar a precisar do tal casaco. Nem desse, nem de outra peça do seu guarda-fatos pré-demência. Essa roupa era para viver, para caminhar por falézias, para gerir os seus negócios e para trabalhar no seu barco. Os fatos trespassados, os jersey de lã que picava e as camisas de algodão que antes usava apodrecem agora no rouperio.

Por isso, há pouco tempo, a minha mãe deu todas as roupas dele a uma instituição de caridade. Levou debaixo do braço uma grande pilha de roupas e deixou-as lá. Já era tempo de aceitarmos que não irá precisar mais delas.

É estranho imaginar que a sua roupa será avaliada por uns trocos e por umas mãos indiferentes. Serão simplesmente as roupas de um velho. Chego até a perguntar-me quantas serão compradas. Umas já passaram de moda, noutras os colarinhos e as golas são demasiado grandes, e as cores subtis, mas irremediavelmente inapropriadas. 

Contudo, gosto de imaginar que alguém será capaz de valorizar o potencial do tal casaco, ainda que seja só isso. Teve apenas um único proprietário e pouco uso. E, como dizia o papá, era de qualidade – e as coisas de qualidade duram para sempre. 

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