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11/05/15

Pelo pai: Sem respostas

"[...] Ainda hoje acho que ninguém dedicou tempo suficiente a avaliá-lo corretamente ou a levar a sério as nossas preocupações. Nestas ocasiões, em que nos sentimos perdidos, necessitamos de uma mão que nos guie o caminho."

Por Rebecca LeyThe Guardian

Antes de alguém que nos é próximo adoecer gravemente, temos tendência a pensar que a medicina é uma ciência exata e que tem sempre a resposta correta ou a receita perfeita. Até os ossos partidos se voltam a unir para não termos mais dor. Mas, desde que o meu pai desenvolveu demência vascular, dei-me conta de que as opiniões diferem e de que se cometem erros. Às vezes, somos nós próprios que temos de decidir o que poderá ter melhores resultados. 

Há muitas zonas escuras e desesperamos por certezas, algo a que nos agarrarmos. Tomemos como exemplo o diagnóstico do meu pai. Todos sabíamos que se passava alguma coisa. A sua memória, a curto prazo, falhava. Em qualquer conversa, tinha incongruências estranhíssimas. À noite, na casa onde vivia sozinho, desmontava o carro constantemente, removendo as dobradiças das portas e separando as diferentes partes. Deixava-nos dez mensagens seguidas e inteligíveis no gravador de voz. E, depois, todo contente, voltava a ligar-nos como se fosse a primeira vez que o fazia. 

No entanto, conseguir que as autoridades médicas admitissem que se passava algo era praticamente impossível. 

Uma parte de mim sabe que há alturas na vida em que as coisas são como têm de ser. Às vezes, é melhor não dar nome a essa "terra de ninguém" que fica entre a saúde e a doença, principalmente quando está relacionado com a perda de liberdade da pessoa. E a confidencialidade é importante  os familiares podem expressar as suas opiniões, mas só até certo ponto.

Porém, ainda hoje acho que ninguém dedicou tempo suficiente a avaliá-lo corretamente ou a levar a sério as nossas preocupações. Nestas ocasiões, em que nos sentimos perdidos, necessitamos de uma mão que nos guie o caminho. 

O meu pai sempre foi encantador e tinha sempre mil histórias para contar. Quando veio, cá a casa, a pessoa que finalmente o médico de família nos enviou para avaliar o seu estado, o meu pai limitou-se a representar o seu papel habitual. Chegou até a preparar chá, disfarçando assim as lacunas da sua mente. O médico disse que parecia estar bem. Ultimamente tinha estado sob algum stress, talvez fosse por isso... Para ficar seguro, pediu alguns testes para detetar a doença de Alzheimer que deram negativo pois a demência do meu pai é de origem vascular. Por conseguinte, concluíram que o meu pai estava em perfeitas capacidades. 

Uns meses mais tarde, as coisas pioraram. O meu pai continuava a visitar a esquadra e o hospital. Acredito, despedaçada pela dor, que desejava que alguém com autoridade o ajudasse a parar a confusão que atormentava a sua cabeça. Naquela época, como tinha quebrado a caldeira e arrancado a fechadura da porta principal, a sua casa estava gelada. E se conseguíamos arranjá-las, el estragava-as novamente na noite seguinte. No seguimento de tudo isto, a mesma pessoa que tinha estado encarregue de o avaliar na outra vez, voltou e fez os mesmos testes. Desta vez, o diagnóstico foi "provável demência vascular". 

Ainda hoje acho esse "provável" exasperante. Simplesmente não entendo que haja espaço para dúvidas quando se via que estava tão mal. E se assim era, porque não lhe dedicaram um pouco mais de tempo para estarem seguros do diagnóstico?

Sei que o Sistema Nacional de Saúde está atado. Tenho em conta a necessidade de sermos precavidos. Mas podiam ter evitado todos esses meses aterradores que passámos e nos quais o papá esteve tão fora de controle. Poderíam ter evitado que passasse tantas horas ao volante do seu Citroën vermelho, por caminhos rurais, quando já não era seguro conduzir. Poderíam ter impedido todos esses momentos em que esteve quase em hipotermia, coberto apenas com uma manta fina nas noites particularmente geladas da sua solitária casa junto ao mar. 

Parece difícil acreditar, mas isto foi apenas há dois anos e meio. A sua deterioração foi tão absoluta que é quase irrisório recordamos a nossa incerteza sobre se estava doente ou não.

E apesar de, neste momento, o diagnóstico ser indicutível, persistem outras ambiguidades. Deveria começar a tomar antipsicóticos ou prejudicarão o seu já débil coração? O Valium ajuda-o a ficar mais tranquilo ou apenas o atonta? Com que frequência terá esses microenfartes cerebrais que agravam a sua deterioração?

O mais aterrador é que não estou segura de que existam respostas corretas. Mas isso não me impede de continuar a procurá-las.

13/05/2015. 11:47 am

Helena Beato escreveu:

Entendo bem do que fala, no meu caso particular é a minha mãe, é desesperante, e a nossa vida passa a ser um sobressalto constante, sabemos que a ciência muitas vezes não consegue diagnosticar, mas o que doi é o egoismo alheio a insensibilidade e a falta de amor carinho e atenção, e a indiferença ao que sentimos.Muita luz força e coragem na sua vida para que nunca lhe faltem as forças e o chão fuja debaixo de seus pés. Beijinho amigo e reconfortante

14/05/2015. 12:34 pm

Cvirtual escreveu:

Olá, Helena Beato. Muito obrigada pelo seu comentário e por partilhar connosco a sua experiência que tão bem entendemos e em que tão bem nos revemos perante tantos casos semelhantes que temos registado. Retribuímos as suas felicitações e desejamos-lhe também toda a coragem e força possíveis pois acreditamos que, apesar das provações, cresceremos sempre mais fortes com elas. Um abraço reconfortante da equipa do Centro Virtual sobre o Envelhecimento e esperamos poder continuar a ter a sua participação no nosso espaço!

12/05/2015. 3:16 pm

cris escreveu:

Tambem andei praticamente sozinha a procura de solucoes e ajuda durante um ano, perdi o agora. Nao percam a esperanca e leiam muito sobre o assunto e acima de tudo compreendam k qualquer ma reaccao nao e de proposito.

14/05/2015. 12:42 pm

Cvirtual escreveu:

Olá, Cris! Obrigada pelo seu comentário e por partilhar connosco a sua experiência. A procura de soluções pode ser, de facto, desesperante. Mas estamos certos de que a informação e a esperança, como bem diz, são fundamentais para compreender a doença de Alzheimer e para melhorar a qualidade de vida dos seus pacientes. A equipa do Centro Virtual sobre o Envelhecimento envia-lhe um abraço fraterno e convidamo-la a visitar o nosso blogue onde poderá encontrar vários conteúdos úteis sobre esta problemática – www.cvirtual.org/pt/blogue

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