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16/03/15

Pelo pai: os nossos melhores momentos

Por Rebecca Ley, The Guardian

Esta fotografia foi tirada num comboio, algures na Índia, nas primeiras semanas de 1988. O meu pai estava moreno, posa com a sua cara para a fotos e rodeia-me os ombros com os seus braços. As minhas duas irmãs estão em frente, sorrindo para a minha mãe, enquanto ela tira a foto. Atrás de nós está a janela aberta do comboio, onde se vê uma colina luminosa, indiscutivelmente muito pouco inglesa.

Rebecca Ley, à esquerda, com o seu pai e as suas duas irmãs, num comboio na Índia, em 1988. 

Adoro esta foto! Faz-me lembrar da minha família no seu período mais feliz. E se agora, por vezes, a realidade do meu pai, atormentada pela demência, é difícil de suportar, esta foto ajuda-me a vê-lo e a recordar-me de como era. Os melhores momentos do meu pai sempre foram em viagens e nunca isso foi tão certo como no caso desta viagem à Índia.

Para os meus destemidos pais, esta foi a sua maior conquista nessa ânsia de conhecer o mundo. Tiraram-nos da escola durante três meses para seguir um itinerário audaz no subcontinente indiano. Começámos por Goa durante três semanas no Natal, seguimos para Hampi para ver os templos de canto, passamos por Kerala e subimos a Chennai antes de iniciar o caminho de volta a Mumbai.

Não é um feito nada fácil com três filhos de 9, 7 e 4 anos. Eram, sem dúvida, metódicos nos detalhes: comprimidos contra a malária, um filtro de água caríssimo e cintos de viagem ocultos para esconder os objetos de valor. E a planificação teve os seus frutos. Desde o início, tudo naquelas férias correu na perfeição. Chegamos a Benalium de madrugada, após um voo longo e uma viagem de autocarro. O que vimos deixou-nos sem alento – um arco perfeito de areia rodeado de cocôs, a praia perfeita com que sempre sonhamos!

Cada recordação que tenho dos nossos dias ali é boa! A família nadando no mar cálido e transparente, as panquecas de banana de um dos cafés da praia que se erguiam em paletes unidas entre si por fileiras de luzes coloridas, um dia de Natal tropical, o aroma das lâmpadas anti-mosquitos acendidas ao anoitecer, uma melancia comprada na praia a uma vendedora ambulante chamada Anya que levava a fruta num cabaz sobre a cabeça e que tinha um brinco de ouro no nariz...

Não me lembro de alguma vez ter visto o pai mais feliz. Não só em Goa, onde começamos, mas também durante todo o resto da viagem. Adorava ter a família ao seu redor todo o tempo e gostava muito do entusiasmo do desconhecido. Todas as manhãs, ajudado por uma montanha de livros emprestados, dava-nos aulas para que não nos atrasássemos na escola. Todas as noites, antes de irmos dormir, passava por cada um dos quartos do hotel onde estávamos para garantir que não havia baratas.

Havia sempre uma. Ao estilo do pai, toda a viagem se fez da forma mais económica possível. Os hotéis eram o mais básicos e utilizávamos sempre os transportes públicos. O pai lutava à sua maneira nos autocarros, indo à nossa frente para garantir que tínhamos assento. Mas isso era o que menos importava pois tínhamos vivido um conjunto de experiências que serviriam de guia familiar para os anos vindouros.

Foram as gambas do Leopold, um restaurante de Mumbai, com as quais passamos a comparar todos os outros partos de restaurante. Foi o Madumalai, o nome com que batizámos o elefante com o qual passeamos pelo Parque Nacional e que sempre nos faz lembrar da emoção que sentimos ao atravessar a selva a 10 pés do chão, movidos pelo seu balanço. E foi ainda o Broadlands, o hostel onde ficamos em Chennai que parecia ter apenas um pátio e que afinal tinha mais de uma dezena deles no seu interior, como um conjunto de casas chinesas. Durante anos, foi este o ideal de um lugar mágico para a nossa família. Gosto de pensar no meu pai como se ainda estivesse ali, numa noite de verão, de cerveja na mão e sorrindo. 

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