blogue

09/03/15

Pelo pai: confrontando a nova realidade

Por Rebecca Ley, The Guardian.

Quando, há alguns meses, colocamos o pai na residência a tempo permanente, achei que continuaria a levar a minha filha para o visitar. Quando ainda estava na sua casa, com cuidados a tempo inteiro, ele adorava as suas visitas. Ainda há poucos meses, em janeiro, a levantava nos braços realçando os seus encantos: “olha para estas bochechas! E estes olhos! Que bebé bonito...”Por um lado, preocupava-me que pudesse deixá-la cair mas, por outro, encantava-me ver como a sua incipiente relação evoluía. “No início, vai sozinha”, disse-me a minha mãe. Depois, logo decidirás se queres levá-la ou não.

Depois de sentir o meu próprio impulso de sair dali pela primeira janela que conseguisse encontrar, a minha reação foi inequívoca: nunca mais levaria ali a minha filha!

Para começar, ela ficava aterrorizada com as caras grotescas, com os odores estranhos, com o homem que grita a cada três minutos como se fosse o alarme de um carro que funciona mal e com a sensação de asfixia produzida por uma sala cheia de pessoas que raramente saem dela.

Mas talvez o mais importante seja o facto da sua presença poder ser altamente perturbadora para os residentes.

Ali, as crianças estão longe de serem encantadoras para os idosos. Regressaram ao princípio e eles próprios estão demasiado próximos da impotência da infância para poderem desfrutar do comportamento alegre e pleno de uma criança pequena. De facto, creio que este excesso de juventude seria demasiado inquietante para eles. Exuberância, energia, esperança, todas essas coisas que agora lhes são negadas e cuja manifestação nada mais faria do que desconcerta-los.

O meu pai seria, provavelmente, o mais afetado. Não creio que conseguisse reconhecê-la. No entanto, poderia achar que deveria reconhece-la e isso faria com que entrasse num desses agonizantes esforços de memória que por vezes tem. Custa ver isso e deve ser horrível de suportar. Não quero que passe por isso.

Mas é triste, ainda mais quando era tão bom que brincassem às coisas que ela adorava como as lutas de cócegas, fazer o avião ou andar ao cavalinho. Por vezes, surpreendo-me a mim própria fazendo com a minha filha as mesmas coisas que o meu pai fazia comigo, recordações de infância que surgem espontaneamente. Toco-lhe na ponta do nariz como se fosse a buzina de um carro, vou atrás dela de gastas rosnando, faço-lhe cócegas nos joelhos para a fazer rir...

Queria que ele ainda pudesse fazer estas coisas. Gostaria de tivesse havido tempo suficiente para que ela ainda tivesse recordações dele. Mas isso não vai acontecer.

Sinto-me muito culpada. Deveria tê-la levado a Cornwall mais vezes antes de ele chegar a este ponto, quando ainda era capaz de reconhecê-la e de passeá-la no seu carro. No entanto, era difícil consegui-lo. As exigências da maternidade e do trabalho, junto com a perspetiva de uma viagem de comboio de seis horas com uma criança pequena, fizeram com que o visitássemos muito de vez em quando.

E a verdade é que pensei que ainda existiria tempo suficiente. Não tinha ideia do quão rápido seria o seu agravamento. Agora, gostaria de poder voltar atrás no tempo. Voltar apenas alguns meses atrás, quando ainda existia o suficiente dele para poder ter uma relação intermitente. Ou, melhor ainda, a quando eu era jovem e ele também, a quando tinha braços fortes, um peito grande e um sentido de humor peculiar. A quando era, todavia para mim, a pessoa mais poderosa que poderia imaginar.

O que tanto dói é o facto desta situação ser irrevogável. Nada do que eu possa fazer vai mudar a situação atual. Em última instância, nada do que qualquer um de nós faça tem demasiado impacto sobre as coisas importantes. É impossível esquecer esta lição sobre a fragilidade humana. Por isso continuarei a tocar no nariz da minha filha, “buzinando” como uma louca, escutando esse programa de mãe que não consigo nem lembrar como se interiorizou. Isso será o mais próxima que a sua neta mais nova estará dele. 

Submeter um novo comentário